Diversos

Os cinco por cento

Desastres acontecem a todo momento, em qualquer lugar.

Em 11.09.2001 o ataque terrorista ao World Trade Center resultou em 2.753 vítimas. Alguns anos depois, no dia 27.01.2013, o incêndio na Boate Kiss resultou na morte de 242 jovens. Não faz muito tempo – mais precisamente, na data de 22.12.2015 – um incêndio no Museu da Língua Portuguesa destruiu não só o prédio histórico, mas também a vida de um dos bombeiros que tentava conter as chamas.

A dimensão das tragédias que ocupam os noticiários costuma ser mensurada pelo número de vítimas, mas existem pequenas tragédias cotidianas que, despercebidas do grande público, fazem milhares de vítimas todo dia, toda hora, todo instante.

Sabe aquele pedacinho da bula do remédio para dor de cabeça chamado ‘efeitos colaterais’? Já deu uma olhada nele hoje? Ou, então, aquelas estatísticas sobre as vidas perdidas nas mãos de motoristas embriagados durante as festas de final de ano?

Se preferir, pode consultar as estatísticas sobre insucesso em procedimentos estéticos, alergias descobertas somente após o consumo dos alimentos, vítimas de raio nas praias durante o verão, percentual de portadores de HIV em relação à população brasileira, entre tantas outras circunstâncias indigestas, ocasionalmente fatais.

O concerto de pequenos atos diários e impensados tem o poder de nos afastar da consciência de que em um instante – veja bem, só um instante – tudo pode mudar. Às vezes, a gente só precisa de mais um instante para não estar mais aqui.

O cotidiano traz tamanha sensação de paz porque blinda nossa capacidade de imaginação e consciência de descontrole sobre nossas próprias vidas. A verdade é que tentamos – alguns até acreditam, penso eu – ter controle absoluto sobre nossos atos, decisões, destino, mas isso é, em realidade, impossível.

Ninguém quer ser o efeito colateral, o número de mortos da tragédia estampado na manchete impressa no jornal, a complicação na cirurgia, a alergia desconhecida, o pedestre não visto pelo motorista alcoolizado. Mas podemos ser, hoje, amanhã, talvez daqui alguns instantes. Instantes.

Ninguém faz juízo de probabilidade diário a respeito de qual a pequena tragédia mais provável de acontecer. Ninguém quer ser os cinco, quatro, três, dois, um porcento. É algo tão pequeno, não? Por que pensar nisso?

Penso porque pode ser eu. Pode ser difícil de acontecer, mas pode acontecer, ué.

Confesso, a princípio refletir sobre a inevitabilidade do que está por vir me causa um embrulho maluco na barriga, deixa sem dormir, às vezes causa até coceira na cabeça. Dá medo, angústia. Esses são os efeitos colaterais de se criar a consciência de que a vida é uma só e é nela que quero ser feliz.

Soa clichê, mas infelizmente ainda precisamos dele.