Crônicas

Liberdade requer coragem

Saí de lá decidida. A passos lentos até o elevador, com a cabeça baixa olhando a tela do celular, eu lia mensagens antigas. Mal estar. Inspira. Eu falhei miseravelmente em tentar resolver as coisas. Expira. Coragem. Inspira. Eu passei dos meus limites e foi só ladeira abaixo. Expira. Coragem. Inspira. Como foi que eu deixei as coisas chegarem a esse ponto? Onde foi que eu errei? Expira. Celular vibrou. Nova mensagem. “Pode vir buscar agora, se quiser. Mas tem que ser agora.”. Tem que ser? Coragem! Ri para mim mesma, e senti na boca uma mistura agridoce de alívio com raiva. Eu não vou fazer o que você quer. Não mais. Acabou.

Meia hora antes, sentada no divã, eu chorava compulsivamente tentando explicar, mais uma vez, o que tinha acontecido.

“Eu só quero as minhas coisas de volta. Eu tentei buscar três vezes. Na última, combinamos um horário, mas minha mãe estava usando o carro e ela demorou para chegar. Eu pedi para ele ser paciente, esperar um pouco. Quando ela chegou, me encontrou chorando. Não queria que eu fosse sozinha. Liguei para uma amiga, ela topou ir comigo resolver isso de vez. Eu só queria por um fim. Aí, começaram as mensagens, contando os minutos até eu chegar. “Só mais vinte minutos”. “Mais quinze”. “Mais dez”. “Você atrasa sempre, tudo é no seu tempo, agora vai ser no meu tempo”. Eu já estava no meio do caminho quando ele mandou mais uma mensagem: “Acabou o tempo. Fui embora. Você vai dar de cara com a porta. Bem feito. Foda-se você.”

“O que de tão importante você precisa buscar lá?”

“Não tem muitas coisas importantes. Shampoo, condicionador, escova de dente. Mas tem uns cobertores que eu gostava muito também.”

“Você não pode comprar tudo isso de novo?”

“Posso, mas não seriam as mesmas coisas, né”

“E por que precisam ser as mesmas coisas?”

“Não precisam ser, mas é que eu quero de volta. Não é justo ser tão difícil. Eu só quero o que é meu de volta.”

“Você quer que as coisas sejam como você quer. Não interessa se é justo. É difícil. Ponto. Sua paz vale escova de dente e cobertores?”

Pergunta difícil de responder. É um daqueles momentos em que precisamos escolher entre ter razão ou ter paz. Responder isso pode ser vergonhoso. Ah, o ego… como dói. Nessas horas, sair pela tangente pode ser um jeito de aplacar a dor.

“Então você acha que é melhor eu deixar para lá?”

“Eu não acho nada. Minha função aqui é fazer você refletir o que você está fazendo. E até agora, se não entendi errado, para você vale a pena continuar falando com quem te faz sentir mal, para tentar ter de volta escova de dente e cobertores”

Silêncio.

A partir dali, o pensamento que eu tive foi: tudo que eu falar vai ser bobagem, na tentativa de convencer os outros e, pior, convencer a mim mesma de que eu estou certa. Peguei um lenço, assoei o nariz. Fechei os olhos. Inspirei. Já tinha dado meu horário. Expirei. Hora de ir embora.

O que EU estou fazendo da minha vida?

Minha paz não vale escova de dente e cobertor.

Foda-se você.