Pensei bastante se valia a pena dedicar algumas linhas a respeito dos últimos acontecimentos do BBB. Não assisto o programa. Muito menos assisto televisão. Mas, ontem, minha linha do tempo do Facebook lotou de postagens e vídeos sobre um acontecimento na “casa mais vigiada do Brasil” – não pude deixar de descobrir o que era.
Play no vídeo. Um casal discutindo, por um motivo idiota. Duas pessoas exaltadas. Uma mais forte do que a outra. A mais forte encurrala a mais fraca. A mais forte aponta o dedo na cara da mais fraca. Os dois gritam, mas a mais forte grita mais alto. “Você me beliscou de novo, você apertou meu pulso, está doendo”. A discussão é “controlada”. O conflito acaba. Vida que segue. O namoro continua.
Quem está fora da cena ficou com medo de uma agressão física. Milhares de denúncias feitas por telespectadores nas rede sociais, na mídia, nas delegacias. Para quem assiste, é tão óbvia a violência! E quem está dentro, vê dessa forma?
Mesmo após não ter sido a primeira vez, mesmo após ambos terem conversado com psicólogo, mesmo após exame de corpo de delito ter constatado hematomas no braço dela pelo jeito que ele a segurou, mesmo após tanta coisa… Não vê. Curioso, não?
Não vê porque em outros momentos existe carinho. Existe elogio. Existe o ‘eu te amo’ pronunciado em momentos de intimidade. Existe a lembrança dos momentos bons já vividos e a expectativa de viver momentos futuros tão bons quanto. Existe a crença de que o outro não é ruim, de que não foi por mal, de que meu namorado não é uma pessoa ruim… E se nem a vítima percebe que é vítima, o agressor percebe que é agressor?
Não, não percebe. Porque a violência não é característica exclusiva de vilões. A violência faz parte do ser humano. Quem nunca viu o papel desempenhado por Marcos e Emilly ser atuado também por pais e filhos? Chefe e subordinado? Colegas de trabalho? Amigos?
Vejam bem, não estou diminuindo o que ele fez. Mas o que quero deixar claro aqui é que todos precisam de ajuda para sair desse ciclo de miséria e violência. Emillys e Marcos não são apenas casais: há diversos tipos de relações humanas abusivas e o abuso pode se dar de diversas formas -especialmente em relações familiares – e precisamos falar sobre isso.
O abuso faz com que a vítima se sinta menor. O abuso faz a vítima sentir culpa, muita culpa. E ela não consegue sair desse tipo de relação porque, afinal, acredita que é ela quem fez mal para o outro. É ela quem precisa mudar. O agressor, por sua vez, quer ter razão. Quer mostrar, ainda que inconscientemente, estar no controle. Quer ter controle sobre o outro. Culpa, diminui, gera insegurança (quem é o inseguro?), e faz a vítima perder a noção de quem ela é, do que ela gosta, do porque ela faz o que faz, gosta do que gosta.
O abuso físico e verbal por meio de agressões no corpo e xingamentos são mais evidentes, mas ele pode ser também sutil, muito sutil: “você tem certeza que quer fazer isso? Porque o melhor pra você é …”, “se você fizer isso, esquece de mim”, “você quer discutir esse assunto bem essa semana, em que sabe que tenho tal compromisso?”, “você está querendo falar disso agora por que? Só para me deixar mal?”, “isso é tão idiota, para de fazer isso”, “isso é ridículo, pare de ser ridículo”, “você esquece de mim, você nunca está comigo”, “só você não percebe o que eu preciso”, “você já deveria saber isso, é óbvio”. São frases ‘não tão ruins assim’, mas imagina ouvir isso sempre. Sempre.
O abuso sutil é aquele que, sem usar da força física ou de palavras chulas, te põe pra baixo todos os dias, de pouquinho em pouquinho, até você não ter mais forças e não saber mais quem é.
Aos poucos você não consegue expressar o que você sente, você deixa de fazer o que gosta, você se sente inseguro em tomar decisões que, aos olhos dos outros, parecem fáceis. Você cede para não desagradar, mesmo não concordando com a forma pela qual é tratado. Você deixa de ter determinadas conversas para não deixar o outro ‘mal’. Soa familiar?
Marcos não é um vilão. Mas não ser vilão não diminui o que ele fez, ainda sem querer fazer. Marcos e Emillys somos todos nós no dia-a-dia – ora vítimas, ora agressores – e precisamos tomar consciência disso para conseguirmos mudar nosso comportamento e tentar trazer mais tranquilidade e paz para os nossos relacionamentos.
Momentos de discordância e impaciência sempre vão surgir, mas como lidar com eles sem tender para a violência, ainda que sutil? No teatro da vida ninguém quer o pior papel, mas isso inevitavelmente pode acontecer. Como evitar? É esse o desafio.
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Ps: Acho pertinente colocar aqui ao final a frase que a querida Marina Dias acabou de postar no Facebook, em um post que também fala sobre esse episódio do BBB e relacionamentos abusivos: “Vale sempre lembrar que amor não sufoca, amor não te faz sofrer, amor não te faz abdicar de nada, amor não tenta mudar quem você é. Amor é liberdade, admiração e respeito. Se você não tem isso, melhor avaliar a sua relação“.