Durante um bom tempo a minha “rotina” consistia não só em fazer as coisas de todo dia, mas também em me forçar a acreditar que eu deveria ceder para não desagradar e fazer o que não gosto para agradar. Também me forçava a acreditar que era preciso agir daquela forma porque “as coisas eram assim”, ainda que o “assim” significasse eu me sentir mal e duvidar de mim o tempo todo. Eu me forçava a acreditar que a angústia, o medo e a dúvida frequentes faziam parte da vida. Tentava fazer natural o que não tinha fluidez.
Os dias iam passando e eu procurava uma explicação, uma saída para me livrar desses sentimentos ruins. Procurei nos conselhos de amigos, nos copos de cerveja, nas letras de música, na atividade física, na alimentação saudável, na maquiagem e nas roupas. No desespero, procurei até na caixinha de fósforo. Nada. Custou muito perceber eu estar procurando no lugar errado. A solução não estava fora, mas dentro de mim.
Custou e doeu muito perceber que minha infelicidade era culpa minha. Era eu quem, às custas do meu bem estar, aceitava agir de determinado modo para garantir, o tempo todo, o bem estar e as necessidades do que e de quem não necessariamente se preocupava igualmente comigo. Por diversas vezes eu reclamava de circunstâncias que só seriam possíveis de mudança se eu tomasse uma atitude.
Saindo um pouco da abstração, sabe aquele saldo devedor que no fim do mês faz seu coração palpitar de medo do Serasa? Sabe a falta de fôlego causada pelo cigarro? O emprego que faz você odiar sua vida? O parente com quem você não suporta dividir a ceia de Natal? O colega de trabalho que faz piadas sobre sua sexualidade? O corpo que você não gosta de ver no espelho? A amizade que foge da sua companhia quando você precisa de ajuda? A faculdade que não faz sentido na sua vida? A viagem que você sempre quis fazer, mas não faz por “falta de dinheiro”? Os exemplos são infinitos, mas por ora deixo esses daí.
Dói – e muito – ser o protagonista da própria vida. Tomar decisões não é algo fácil, e eu sou péssima nisso. Sou daquelas pessoas que pensam nas mil possibilidades de certo ou errado, que procuram ter algum tipo de certeza no que estão fazendo, mas é tudo em vão. Quantas vezes pensar demais me fez imóvel? A gente nunca sabe o que está por vir, mas sabe o que tem e o que é possível fazer, hoje. E precisamos começar, de algum jeito.
Nesses últimos meses criei a consciência de dar maior atenção para o que sinto e agir para mudar – não tem sido fácil, confesso. O que tem me dado força é o próprio esforço de incorporar, dia após dia, a percepção de que a vida não permite rascunho, o tempo é escasso, existem mil pratos para equilibrar e eventualmente um deles pode se estraçalhar no chão, mas tudo bem, porque a vida segue e outros pratos surgirão. Está tudo bem. Confia.
É possível sair do vermelho, parar de fumar, mudar de emprego, enfrentar relacionamentos desconfortáveis ou abusivos, mudar o próprio corpo, fazer novos amigos, estudar algo com paixão, organizar-se melhor, cuidar da aparência. Mas tudo isso exige iniciativa, ação.
Penso que, para além de questões profissionais e de saúde, a maior dificuldade na minha vida tem sido no aspecto dos relacionamentos, seja o familiar, seja o amoroso, seja a simples amizade. Simplesmente cheguei em um momento em que cansei de ceder, e cansei de tentar mudar os outros e, sobretudo, eu mesma. Hoje tento compreender e aceitar o que não está ao meu alcance, e me esforço em mudar aquilo que está. E, quanto a este último ponto, se meu esforço não surtir efeito, paciência: é hora de desfazer o laço e bola pra frente.
Quero estar perto de pessoas na mesma sintonia, que me empurrem para a frente, me estimulem, me ajudem a ser a cada dia uma versão melhor de mim. Obviamente, em alguns momentos pode existir algum desconforto do outro em relação a uma atitude ou sonho meu, mas este desconforto deve ser, na medida do possível, equilibrado. Não é certo que uma parte se sacrifique mais do que a outra para manter qualquer relacionamento.
Quero estar perto de pessoas que aceitam minha essência (eu gosto de creme de cupuaçu com manga, eu tenho insônia, eu gosto de abraçar as pessoas, me divirto sendo imbecil de vez em quando e se eu tiver de fazer um trabalho muito exigente, eu vou sumir da vida social para poder realizá-lo, lidem com isso), e não pessoas que queiram me moldar aos projetos delas. Não quero aqueles que fazem questão de dizer que sou ridícula. Quero os que riem comigo, e não os que riem de mim. Quero os que me dão impulso para voar, e não os que só fazem questão de lembrar a dor de uma possível queda, alimentando meu medo para cortar minhas asas. Não quero os que tentam me convencer de que sabem o que é o melhor para mim. Não quero mais me anular, por ninguém.
Há uma diferença enorme entre ser a pessoa “não concordo com você, isso não fará eu me sentir bem, mas compreendo e tentarei aceitar” e a pessoa “não concordo com você, e se você insistir na sua posição, terá consequências, sem volta“. Na perspectiva do resultado (abalo em uma relação) pode ser que os dois casos sejam semelhantes, porém, os discursos não o são. Não quero a agressividade, quero a compreensão.
Custou e doeu muito perceber que eu deveria ouvir mais o que explodia por dentro. Sempre dói sair da zona de conforto. Dá um medo danado, até ansiedade. Mas é preciso sentir essa dor – imensa, porém, passageira (confio que sim!) -, porque o que tem aqui dentro importa.
Hoje estou mais feliz.