Fevereiro de 2016. Eu estava em horário do almoço junto com um amigo da faculdade. Estávamos conversando sobre a vida quando meu celular toca. Olho para o celular, olho para ele, fico vermelha de vergonha. Atendo?…
Atendo.
“Alô! Lembra de mim? Sim, sou eu! Nossa, faz tempo, n-não é? Então, eu me formei no colégio, a-agora estou terminando a faculdade, acredita? Então, eu liguei para você porque p-preciso muito, muito mesmo, conversar… Podemos m-marcar na sexta? 19h? Obrigada, até.”
Uma conversa rápida, sem qualquer profundidade e que não durou nem cinco minutos, foi o suficiente para eu cair em choro entre uma garfada e outra e ter a certeza de que, sim, eu precisava de ajuda.
Quem estava do outro lado da linha era minha psicóloga da época do ensino médio e, por algum motivo que só o ego explica, eu não queria que ninguém soubesse disso.
Atender e conversar com ela na frente do meu amigo era quase como revelar publicamente um grande segredo sobre um enorme fracasso pessoal.
Mas falar era desnecessário porque minhas lágrimas, sozinhas, revelavam tudo. A verdade nua e crua. Eu precisava de ajuda! E admitir a verdade para mim mesma foi o início de um processo de alívio e de libertação.
Logo eu, quem sempre fugiu das aulas de religião, passei a ver sentido naquela famosa frase de Jesus: “a verdade vos libertará” (João 8:31-32). A vida é mesmo muito louca.
Primeiro ato: o sentimento.
Eu sentia angústia extrema há uns oito meses. Chorava toda semana. Em alguns períodos, chorava todos os dias.
Pensava que era coisa de tempo, era esperar a situação melhorar. Mas não melhorava.
Na verdade, só piorava. Com o passar do tempo, eu ficava mais tensa com final da faculdade e com a dificuldade em dar conta do trabalho, da vida acadêmica, e dos meus relacionamentos.
Na minha cabeça eu só era responsável. Afinal, como é que as outras pessoas não se preocupavam com os mesmos assuntos que eu, e da mesma forma que eu? Elas é que pareciam negligentes ou sossegadas demais.
Só de pensar em não conseguir cumprir uma tarefa direito, ou em decepcionar pessoas que contavam comigo, já me dava uma sensação de palpitação e de alerta fora do normal.
Eu não conseguia mais dormir direito (demorava horas até pegar no sono, ou simplesmente não dormia, até perdi a conta de quantas vezes fui trabalhar ‘virada’) e não conseguia relaxar em momentos de lazer.
Para piorar, uma das maiores preocupações passou a ser dormir fora de casa.
Isso começou a afetar minha vida a ponto de ter muito receio em viajar. O que era para ser legal virou um foco de angústia muito grande 🙁
E, além da sensação de ‘meu deus me ajude a dar conta e a dormir’, eu convivia com sentimentos ambíguos, não tinha com quem expressá-los direito – de forma sincera e livre de julgamentos – e tinha dificuldade enorme ou simplesmente não conseguia tomar decisões, dar um rumo positivo na minha vida.
A coisa chegou num ponto em que eu gastava longas horas do meu dia pesquisando assuntos relacionados ao que eu precisava decidir.
E as pesquisas obsessivas iam desde qual objeto comprar, passando por todos os riscos relacionados a um procedimento médico ou medicamento (ficava horas no site PubMed procurando pesquisas acadêmicas, é até bizarro lembrar disso agora), chegando a coisas do tipo “como conciliar trabalho e faculdade”.
Falando em trabalho e faculdade, em relação a eles era ainda pior. Eu perdia horas para pesquisar ou concluir algumas coisas porque eu tinha que ter certeza do que eu estava fazendo, não podia cometer nenhum erro. E aí, meus caros, a ansiedade era maior ainda.
Mas, além de ser a maior cliente do Google, eu também conversava com várias pessoas a respeito dos mesmos dilemas pessoais na expectativa de ter alguma informação nova que me ajudasse a decidir algo.
No geral, eu sentia e pensava que eu demorava demais com as coisas, nada era suficiente, tudo podia dar errado, eu não podia falhar, eu não podia decepcionar e, por fim, eu não aproveitava minha vida – toda minha linha do tempo se divertindo, indo em festas, viajando, apaixonada, cheia de conquistas acadêmicas ou profissionais, feliz, e eu nadando num mar de lágrimas de angústia.
É triste pensar que perdi tempo em vão porque, não importava o quanto eu lia sobre os assuntos, eu não conseguia escolher um caminho e, quando conseguia, eram dias, semanas ou até meses depois.
Eu simplesmente não conseguia mais processar o que eu estava sentindo. Eu só existia.
Até a ficha cair demorou um loooongo tempo.
Infelizmente, só quando o sofrimento ficou insustentável é que eu finalmente fui buscar ajuda psicológica.
Segundo ato: o processo.
Procurar ajuda psicológica é um ato enorme de coragem, porque é muito, muito difícil admitir ‘tenho um problema e não consigo resolver sozinho’.
Talvez você já tenha ouvido de algumas pessoas “eu não preciso disso, eu consigo dar conta, sempre me virei”, e se sinta meio lixo por não ser igual. Mas não dê ouvidos.
Muito provavelmente essa pessoa aí também tá cheia de probleminhas, e ainda está covarde em reconhecê-los. Quem nunca?…
Eu tinha muitas dúvidas se era algo realmente necessário, se valeria a pena gastar tempo e dinheiro para abrir meu coração e minha mente a uma pessoa desconhecida na tentativa de atenuar toda a bagunça aqui dentro.
Hoje eu não me arrependo e penso que não há bons motivos ou glória em aguentarmos tudo sozinhos, sofrendo. Às vezes não damos conta e ok, sabe. Admitir isso é libertador.
Se tem uma coisa valiosa que eu aprendi nesses últimos tempos é que a dúvida é, muitas vezes, a tentativa de achar desculpas e motivos racionais para não admitirmos para nós mesmos o que sabemos ser a verdade. Lá no fundo a gente sabe, ô se sabe.
Hoje é muito claro para mim que, a partir do momento em que eu passei a pensar com frequência em ‘será que eu preciso de ajuda?‘, é porque, sim, eu precisava de ajuda.
Terceiro ato: o diagnóstico.
Eu comecei a terapia no começo de 2016, mas só no fim do ano (acho que foi em outubro ou novembro, não lembro direito) minha psicóloga “fechou” meu diagnóstico, e me disse que eu tenho Transtorno de Ansiedade Generalizada (“TAG”).
Mas, o que é Transtorno de Ansiedade Generalizada?
O Transtorno de Ansiedade Generalizada é caracterizado por ser uma preocupação duradoura (coisa de meses ou anos) e excessiva, sem uma causa definida.
É praticamente impossível controlá-la e tudo vira uma potencial catástrofe (a angústia e o medo na mente são muito maiores do que a realidade).
A preocupação é tanta que dificulta a tomada de decisões, gera situações de evitamento e, de brinde, procrastinação (a evitação leva a sucessivos adiamentos de tarefas que despertam os sintomas da ansiedade).
Ela pode ser sobre qualquer tema (família, relacionamentos, trabalho) e alternar entre eles. Junto com ela, podem vir vários sintomas físicos (irritabilidade, fadiga, dificuldades para dormir e se concentrar, agitação).
Pelo fato da preocupação ter relação com a dificuldade de gerir incertezas, questionamentos do tipo “e se…?”, “será que…?” são frequentes.
O Transtorno de Ansiedade Generalizada é bem explicado no site da Oficina de Psicologia e do Minha Vida, mas vale a pena ver o relato em vídeo da youtuber Bia Jiacomine para entender a sensação de quem vive com isso:
Hoje, sabendo os sintomas, percebo que há anos em maior ou menor grau eu sofro com o TAG, e vejo quanta coisa deixei de fazer ou de aproveitar plenamente por causa dele 🙁
O curioso é que, bem antes de começar a terapia, pessoas próximas já me falavam sobre o meu comportamento. Algumas diziam que eu me preocupava demais, outras diziam que eu era chata e não sabia curtir. As mais pacientes me explicavam o que exatamente eu fazia ou falava e que transmitia essas impressões para elas.
É impressionante como demora para a gente ver o que é óbvio aos olhos dos outros (dica para a vida: não despreze o poder dos feedbacks).
Quarto ato: o tratamento.
A psicoterapia ajuda a treinar a mente para afastar preocupações.
Algumas das técnicas são:
- Usar de “contra-pensamentos”: é pensar nas possíveis consequências positivas da incerteza quanto ao futuro, tirando o foco do desastre, ou já visualizar saídas para problemas que possam vir a surgir (o famoso Plano B).
- Questionar a real utilidade da preocupação, ver ela num contexto maior (Uma boa pergunta a se fazer é: Isso vai ser relevante daqui 5 anos?).
- A mais difícil, mas também a mais eficiente: se expor ao risco. Ir lá e fazer as coisas relacionadas às preocupações. Quando o que a gente vive é bem diferente da nossa expectativa de catástrofe, o “registro” positivo fica guardado no cérebro. Basicamente, tem que repetir mil vezes até que seu inconsciente entenda “don’t worry, tá tudo bem“.
Além da terapia, eu mudei muito a alimentação (consumo em maior quantidade cereais integrais, carnes, frutas, legumes e verduras frescos, e poucos produtos industrializados) e comecei a praticar atividade física de três a cinco vezes por semana.
Esses ‘detalhes’ me ajudam a relaxar e aumentam muito meu bem estar (:
Diferentemente da Bia Jacomine, atualmente eu não faço uso de medicamento. No passado eu já usei e, realmente, ajudou absurdos porque a melhora costuma ser rápida e intensa, em poucos meses. Sem dúvida, voltaria a usar se precisasse. É bobagem ter preconceito com isso, de verdade.
Mas, hoje, no meu caso, acredito que os exercícios e a dieta acabam atuando de modo semelhante, porque quando treino parece que a vida fica tão leve… os pensamentos ruins dificilmente vem e, se vem, vão embora mais rápido.
A ansiedade resulta da preocupação, e a preocupação é prima da insegurança. Então, outro jeito de afastá-la ou diminuir a influência dela é ser uma pessoa mais segura, fortalecendo a autoestima e a autoconfiança.
Se a gente se sente bem com quem a gente é, se sentimos que somos capazes de dar conta e de nos recuperarmos dos reveses da vida, as coisas fluem com mais facilidade.
Por isso, tudo que colaborar com o fortalecimento emocional é de grande valor.
O autoconhecimento, a filosofia e a espiritualidade têm me ajudado muito nisso.
Consumo mais esses conteúdos e parei de consumir notícias de jornal, televisão, séries ou filmes com temas pesados e violência, e de dar atenção a discussões em grupos do whatsapp e facebook.
Quinto ato: os resultados.
Há dois anos eu comecei a terapia e iniciei uma revolução silenciosa no meu estilo de vida.
Há cerca de um ano eu não tenho crises de insônia.
Além disso, sinto que estou conseguindo superar alguns evitamentos ligados a dormir fora de casa e a relacionamentos, além de melhorar meu processo de tomada de decisões.
Me sinto mais tranquila, focada e otimista 😀
Tem dias ruins? Tem.
Tem dias que me sinto um cocozinho no trabalho.
Tem dias que eu durmo mal, fico irritada e sem ânimo.
Tem dias que surgem umas preocupações malucas sobre coisas nada a ver.
Tem dias em que eu ouço histórias ou leio coisas que funcionam como gatilhos para lembrar de um monte de coisa ruim, e a ansiedade volta.
Mas nada como um dia após o outro.
Os dias ruins passam e hoje são minoria.
Sinto que, comparando com três anos atrás, estou 85% melhor.
Queria, de verdade, que todos pudessem se sentir assim.
Infelizmente não tenho esse poder, mas posso mostrá-los que é possível ser leve, viver leve, com muito mais alegria.
Dá para ser feliz apesar do Transtorno de Ansiedade Generalizada. Dá para ser feliz apesar das dificuldades e de outros transtornos psicológicos.
Se, por um acaso, você que me lê está sofrendo, não desista de você. Procure ajuda.
A gente merece ser feliz.
(Obs: Atualizei o post em 16.02.2018 para descrever um pouco melhor como eu agia na época… espero que, com isso, quem lê entenda melhor o problema)