– As coisas mudam rápido, moça. Eu já fali em 15 dias. 15 dias.
– Como assim, faliu em 15 dias?… Não consigo imaginar… Até onde eu sei, as empresas costumam ir mal, já sabem do risco de falir… Me conta isso melhor!
Todo mundo tem uma boa história para contar. E, se você for passageiro de um motorista de aplicativo, dá para aproveitar a viagem de um jeito diferente: descobrindo a história de quem ajuda você a traçar seus próprios caminhos.
Eu aproveitei.
Seu Sinésio é um senhor simpático. Chuto que ele tem mais de sessenta anos. É aquele tipo de pessoa extrovertida, que gosta de trocar ideia, falar de si e do seu passado.
Gosta de lembrar que, ali onde tem vários prédios comerciais, já foi o campinho em que ele jogava futebol com os amigos, numa época em que ainda nem existia o Merthiolate que ardia.
Mas as lembranças que Seu Sinésio me contou não eram só sobre a mudança que o tempo faz nas nossas vidas – eram, especialmente, sobre o fato de não termos controle sobre boa parte delas.
Seu Sinésio, muito simpático, deu uma olhadinha no destino desenhado no aplicativo, ajeitou o celular no painel e, entusiasmado, começou a falar:
– Foi assim… eu tinha uma empresa de turismo. Era enorme. Chamava Dimensão Turismo. Ficava aqui no bairro.
Para você ter uma noção, nós fomos uma das primeiras empresas que começaram a levar alunos de colégios para o exterior. O que mais vendia eram as viagens para a Disney. Em um mês, já chegamos a levar 10 mil alunos!
– 10 mil? Nossa, vocês eram gigantes.
Fiquei realmente surpresa. Na minha cabeça millennial, numa época em que a internet capengava, não existia celular e o que tinha de mais moderno na comunicação era o fax, parecia impossível orquestrar milhares de pequenas operações complexas.
Simultaneamente, um a um virou dez mil. Em um mês. Sob o sol quente de Miami. Surpreendente.
Seu Sinésio, com um prazer escasso nas conversas dos jovens de hoje, prosseguiu:
– Sim, a gente era. A gente tinha até avião, eram dois. Tinha também uma casa em Miami, onde eu e minha esposa, que trabalhava comigo, ficávamos na época de alta temporada. Assim a gente conseguia estar perto para resolver qualquer pepino com os clientes.
Conhece a Denise Fraga? Da Globo? Ela fazia uma apresentação para nossos clientes. Era muito legal!
Mas… isso foi nos anos 90, logo depois do Fernando Henrique entrar no governo. No primeiro mandato dele foi tudo bem, muitas viagens!
No segundo… do dia para o noite, o dólar deixou de ser 1 para 1 com o real, e passou a ser 1 para 1,5. Um aumento de 50%!
E aí… foi difícil.
Praticamente todas nossas dívidas eram em dólar…
Não aguentamos…
Em quinze dias, quebramos.
Naquela época não tinha zap, internet, essas coisas como tem hoje. O dólar começou a aumentar e a gente só foi entender o que estava acontecendo dias depois, quando virou notícia. Era tarde.
Era tarde mesmo. Já estávamos em casa. Confesso que me deu um aperto no coração, porque a corrida encerrou enquanto ele ainda falava, e parte de mim ainda queria ouvi-lo.
– Espera só um minutinho, vou encerrar a corrida aqui… – disse-me enquanto procurava com o olhar onde deslizar o dedo na tela do celular – Prontinho.
Tchin tchin. O barulhinho de caixa registradora confirmava que o pagamento foi feito com sucesso. Não precisei pegar dinheiro, nem cartão. Tudo instantâneo. Na tela de um celular. Que loucura! A rapidez das coisas hoje em dia é uma benção ou uma maldição? Fiquei pensando…
– Mas, posso te falar? Nenhum, nenhum dos nossos clientes ficou na mão. A gente encerrou tudo direitinho. Eles foram, aproveitaram e voltaram. Disso a gente se orgulha… o resto, bom, vira história, né?
– Poxa, e que história! Fico feliz por vocês terem conseguido encerrar tudo direitinho.
– É, era só o que dava para fazer né. Mas a gente se orgulha disso!
– Bom, vou nessa… adorei a história. Obrigada pela viagem, boa semana!
– Boa semana!
Saí do carro e entrei em mim mesma.
Fiquei enternecida com a forma pela qual ele contava um capítulo marcante de sua existência. Uma empresa milionária que, praticamente, virou pó do dia para a noite – algo muito triste, mas que não foi o suficiente para ele perder o entusiasmo ao longo da vida. Hoje, as memórias são saudade.
O pouco que ouvi da vida de Seu Sinésio me fez lembrar duma frase que carrega uma sabedoria enorme, apesar de banalizada como autoajuda barata: ‘Você não pode controlar o que acontece com você, mas pode escolher como reagir a isso’.
Vejam, a frase não diz para não ficar triste, com raiva ou medo. Afinal, é impossível controlar o que se sente. Diz, sim, que a gente pode agir e dar um novo significado às nossas experiências, de modo a não cultivar os sentimentos ruins.
A corrida foi rápida, mas durou tempo suficiente para eu sair do carro como quem volta de uma boa viagem: com um sorriso no rosto e uma bela história para contar.
Conhece alguma história parecida como a de Seu Sinésio? Já ouviu alguma história legal nas suas corridas por aplicativos?
Me conta nos comentários 🙂